mergulhar no claro-escuro
demorei muitos anos, à mercê da vida a tornar-me, contra a minha vontade, emocionalmente independente de quem quer que fosse, filhas incluídas, e por essa margem de segurança, pago o preço mais elevado. era preciso o céu para eu a ultrapassar novamente, e o céu, para mim, significa a certeza impossível de não voltar a ter medo de viver, num abandonar que quase já não me permito, porque quase já não me atrevo. o instinto diz-me que se assim é, é porque é assim que tem que ser, e eu dou-me bem com o meu instinto, apesar de nem sempre o ter ouvido. foi precisamente quando me dei pior, e agora que cresci à força e deixei de acreditar (acredito mas não posso dizer) em castelos, tenho que o ouvir quando me sussurra, que primeiro devo ver a luz brilhar, antes de apontar logo uma lanterna, mesmo correndo o risco de ficar às escuras. até porque não tenho medo do escuro, já não. pode ser até muito reconfortante e tranquilo.
não quero nem tenho que decidir nada, e a questão é mesmo essa. ter sido sempre eu a decidir, naquelas que nunca foram as minhas escolhas. fui sempre eu que acendi a luz, a minha e a dos outros. agora, encontro a luz na tal margem de segurança que me afasta do engano, da mediocridade, mas acima de tudo da dor e dos medos das pessoas. a verdade é que me custa acreditar na possibilidade de alguém que chegue para a minha medida, seja lá o que isso queira dizer. de tudo o que tenho de mais banal ao mais original. de tudo o que preciso do mais elementar ao mais sublime. tenho-me em grande conta é verdade, não de tamanho mas de formato. não quero ter de acreditar num formato que não é o seu, e viver do prazer que isso lhe possa fazer sentir. quero alguém que me acrescente, porque andei a vida toda a acrescentar aos outros, que me sugaram, na necessidade de acreditarem no que deles próprios não viam nem vêem. alguém que me acrescente! sff, porque eu ainda quero crescer, respirar, preguiçar, descansar para poder criar, para assim poder dar... o argumento é uma falácia e eu sou boa nisso, tramo-me portanto a mim própria porque me ouço e me convenço, pois… mas eu corro, corro sempre, na tentativa de ser livre, de poder, do medo. espero que ainda a tempo de desfrutar os castelos no ar em que, nem às paredes confesso, mas acredito, preciso de acreditar para respirar, caso contrário sei viver é verdade mas qual é o sentido? life is what happens to you when you're busy making other plans (John Lennon). ok então continuo ocupada a (sobre)viver, e o que for ou que puder ser, será, em paz.
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