Ontem armei-me em corajosa e fui atrás do sol e do mar. Fui lamber as feridas… Doíam-me de lhes ter mexido na noite anterior… Saí de casa para o carro-casa que, há anos, quando tem frio só pega com balanço, e por isso deixo-o sempre estacionado estrategicamente num local inclinado. Enquanto deixo descair o carro, sustenho a respiração, contrario pensamentos negativos que eventualmente possam comprometer… e só não digo um mantra porque não dá tempo. Pega sempre, salvo rara excepção, e basta uma distância curta, normalmente até ao trabalho, para que possa ficar descansada o dia todo porque volta sempre a pegar, até ao dia seguinte… E é assim todos os dias, desde que o verão acabou.
A ordem natural de todas as coisas existe, acredito eu, não como destino mas numa lógica que reconheço, também na complexidade e na subjectividade de tudo e de todos… O carro pegou mas tive pela primeira vez que parar uns metros mais à frente… Agora que tinha decidido ser corajosa e não deixar andar assim, a dor… Ok, ajuda, cabos, experiência (minha), rapidez, estou novamente a caminho.
Tenho a estrada do feiticeiro de oz à porta de casa e normalmente vou sempre para Sul, mas desta vez fui para Norte. Gosto de guiar e gosto de descobrir percursos. Gosto de conseguir acertar, em caminhos que não percorri, como se de um jogo se tratasse, gosto de desafios e sinto a Liberdade de partir assim. Em cada letreiro cruzamento ou bifurcação, tenho que decidir rápido, a partir de uma lógica qualquer, que direcção tomar. Parece um exercício de vida, e faço sempre questão de me ir lembrando que caso erre, posso sempre emendar, voltar a trás e recomeçar e que por isso as decisões que tomo, fazem parte do jogo, do desafio, até do prazer que já consigo ter porque consigo desfrutar das paisagens, que de facto não controlo, porque não as conheço, mas estão ali também para mim. Afinal de contas fui passear.
Céu aberto, verdes de todos os tons, possibilidades de hortas, penso eu. Moinhos, dos velhos e dos novos, tantos. Já sonhei com um, um dia. Direita, esquerda… o mar deve ser naquela direcção, vou pensando eu. Lembra-te, normalmente quem se perde é porque não tem paciência para continuar até à próxima indicação, e acha que já está enganado e toma a decisão prematura de se desviar do caminho que afinal era o certo. Eu sei disso e continuo confiante de que tudo vai correr bem, afinal de contas o mais que pode acontecer é ter de voltar para trás e recomeçar. Desfruto do jogo da descoberta da paisagem, levei a máquina e fotografo o céu aberto, os verdes imensos, ricos e férteis da chuva recente, amarelos, laranjas e vermelhos de todos os tons do Outono. Abro as janelas para respirar tudo, e vou decidindo corajosa, decidindo e descobrindo, desfrutando.
Lá está o mar, reparo nele, depois de uma curva íngreme. Estou sozinha, no meio do verde, no espaço aberto e olho-o orgulhosa porque não tive medo e não me enganei.
Passo por terras minúsculas com nomes engraçados, e fotografo… sem bateria… bolas… raios… emoção, frustração, e eu que queria ir ver o mar e registar tudo… Oomm, Oomm. Ok, alteração de planos, a vida é mesmo assim e contraria-nos, respira, desfruta, e ainda que não possas partilhar retém o que vez e sentes à tua volta, no agora. Afinal és quase budista, sabes faze-lo, respira fundo.
Sinto o controlo de novo e a paz, olho o mar… afinal já lá não vou, fico-me por aqui, volto lá depois, um dia, posso sempre lá voltar. Olho à volta, paro na Aldeia para tomar café. Acabei de passar ao lado da escola onde um “molho” de meninos como os “meus” brincavam e riam.
Vou regressar, desta vez não vou junto ao verde, já não me serve, sinto-me só e preciso regressar a casa. Apanho a primeira via rápida que encontrar, mas antes disso meto-me ainda por caminhos estreitos com água, pedras e lama para que o carro-casa não se esqueça de quem é, faz-lhe bem…
CREL, CRIL, CROL… Olha só onde vim dar… Ali está outra vez o mar, o meu mar, o rio, a torre… corro para os braços dela para a abraçar…
em casa..., tranquíla.